quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

A importância da palavra escrita

Nos pareceu importante destacar aqui a importância da palavra escrita na evolução do homem.
A linguagem, em sentido amplo, é um sistema de signos utilizado objetivando a comunicação, tendo como razão primeira a produção de sentido.
Todos os seres vivos se comunicam através das mais variadas formas de linguagem - seja ela corporal, oral, musical, plástica - pois todos os animais têm seus rituais para acasalamento, não raro, com movimentos que foram assimilados pelo balé humano; movimentos que denunciam a defesa de território, da prole; sons variados que avisam sobre ameaças, perigos; cantos cuja complexidade de sons usados só hoje, com o avanço da tecnologia, começam a ser desvendados. Há espécies de pássaros, como o joão-de-barro, que faz o seu ninho modelando-o em barro; e outras espécies, cujos machos decoram o ninho com flores e conchas e, numa espécie de campeonato, o que mais bem ornamentado estiver será escolhido pela fêmea.
Mas a linguagem humana é considerada como o mais complexo de todos os sistemas de signos, pois através deles podemos representar não só o mundo em que vivemos - mas tudo que pudermos imaginar - estando aí o que diferencia a nossa linguagem de todos os outros gêneros animais. Trata-se de sistema de representação arbitrário, de significados coletivos e compartilháveis, variáveis ao longo do tempo de acordo com as mudanças culturais, sociais e históricas de cada povo ou nação.
Sem a linguagem - considerada em sentido amplo, seja a ela escrita, verbal ou de qualquer outro ramo semiótico - impossíveis se tornariam a unidade, a continuidade e a evolução social: trata-se, pois, de um dado constitutivo das sociedades humanas.
Na linguagem, pela linguagem e com a linguagem são construídos incontáveis significados, urgindo que produzam sentido, pois a razão principal de qualquer ato de linguagem é comunicar a outrem o nosso pensamento.
Mas se a linguagem da palavra nos destaca de todos os outros animais por permitir-nos pensar sobre coisas, pessoas ou situações distantes de nós, seja no espaço ou no tempo, o tipo de linguagem que, definitivamente, nos diferencia dos outros seres animais é a escrita. É através da palavra escrita que, não só expressamos, mas eternizamos as nossas ideias, os nossos sentimentos, levando-os ao conhecimento de outros seres humanos e de outros grupos da sociedade - em lugar e tempo mui distantes.
O advento da palavra escrita, para a historiografia tradicional, marca o fim da Pré-História.
Em sua evolução, o homem primeiro conseguiu se comunicar através de gestos, depois por intermédio das palavras. Mas isso não lhe bastou: voltou-se, então, para a possibilidade de representar o que desejava transmitir gravando-o em algum suporte. Surge aí a primeira forma de escrita, denominada pictografia.
Os pictogramas (ou mitogramas) foram os desenhos figurativos encontrados nas paredes de cavernas (rupestres). Eram representações de animais, gravações coloridas de cavalos, veados e bisões. E o que visava o homem primitivo com esses desenhos? A tese mais aceita é a que afirma tratar-se de oferendas visando sorte em caçadas futuras. A intenção puramente artística de seus autores foi descartada por estarem as pinturas sobrepostas em quatro camadas. Assim sendo, privilegiou-se o sentido mágico, que melhor refletiria as necessidades e experiências daquele período histórico.
Durante toda a sua trajetória a civilização humana se utilizou de ritos e registros, marcas que revelaram como o homem ocupou o espaço onde esteve e como foram as suas relações com os outros homens e a natureza. São alterações no meio ambiente como marcas rudimentares no chão, nas paredes das cavernas, desenhos, recortes que nos fazem vislumbrar como os homens constituiam seus grupos, como estiveram e agiram no mundo.
Curioso é observarmos como a informática resgatou essa linguagem através de desenhos figurativos com os ícones na barra de ferramentas existentes em inúmeros programas para computadores.
Posteriormente, na fase logográfica da escrita, surgiram os ideogramas, assim chamados por revelarem uma unidade linguística vinculada à ideia que se pretende transmitir. Exemplos desse tipo de escrita analítica (também chamada morfeogramas) são a cuneiforme, a hieroglífica e a chinesa (esta última a única que continua sendo utilizada nos dias atuais).
Mas ainda hoje faz-se uso de símbolos gráficos que representam diretamente uma ideia, como os algarismos, certos sinais de trânsito etc.
Na continuidade da evolução da escrita surgem os fonogramas, que são sinais gráficos que representam sons. São destes que se originaram, entre outros, alfabetos como o fenício, o árabe, o grego e o latino. O que estas civilizações guardam em comum é que se destacaram na atividade comercial. Os fenícios, ao lançarem-se ao mar, buscavam, em terras afastadas, os suprimentos que lhes faltavam. Só que essa atividade comercial exigia a confecção de rudimentares contratos mercantis. Daí terem eles sido levados a criar um alfabeto, composto de vinte e dois sinais que representavam os sons consonantais simples.
Os árabes também criaram um alfabeto próprio, em linha, escrito da direita para a esquerda.
Há ainda os sistemas de sílabas, de que são exemplos as escritas lineares A (1650-1400 a.C.) e B (1450-1200 a.C.), utilizadas em Creta. Estas escritas remanescem em tábuas de argila, que ainda não foram inteiramente decifradas.
Do alfabeto fenício se desenvolveram os alfabetos clássicos, sendo deles os mais importantes o grego e o latino.
A possibilidade de serem os sons simbolizados em gráficos estimulou e impulsionou a comunicação irreversivelmente, trazendo o desenvolvimento da cultura e do conhecimento da humanidade. As obrigações assumidas, os costumes e as tradições, antes evidenciadas, preservados unicamente pela forma oral, agora encontravam na escrita o seu asseguramento, a sua eternização.
É, pois, através da linguagem escrita, produzida e desenvolvida socialmente, que o homem passa, do registro meramente espacial, para o registro de fatos e acontecimentos: é por intermédio dela que melhor consegue dar aos seus sentimentos, às suas ideias um caráter duradouro.
Assim fatos, quantidades, locais, impressões passam a poder ser relembrados sem que se precise recorrer tão-somente à memória humana.
Desde as primeiras marcas produzidas com instrumentos rudimentares - fosse no chão, nas paredes das cavernas, em pinturas no próprio corpo - até a atual era da informática muito se conquistou nos mais variados ramos do conhecimento humano; sim, muitas foram as conquistas culturais, artísticas, sociais, políticas e econômicas.
Mas para que todos os seres humanos possam, igualitariamente, desfrutar dessas conquistas é preciso que aprendam não só a ler - mas a entender o que lêem; é preciso que estejam preparados para acompanhar os avanços do conhecimento humano e se adequar às vertiginosas mudanças tecnológicas.
A palavra escrita torna-se poder para quem a domina: saber escrever e entender o que lê é chave para uma constante evolução.Com a escrita o ser humano expande e preserva a sua memória, pois quando lemos revivemos fatos passados, ou entramos em contato com as experiências de outrem, de modo que sobre todos eles podemos refletir e aprender, concordar ou discordar. Através da leitura aprimoramos conhecimentos, formamos a nossa própria opinião, enriquecemos o nosso poder de argumentação; e, ao aumentar o nosso grau de discernimento, possível será para nós - se quisermos - evitar erros graves já cometidos no passado.
Um dos grandes exemplos dessa maior compreensão dos fatos e das ideias que a palavra escrita pode nos conferir ocorreu na Grécia , pois a filosofia como a entendemos no mundo ocidental teve, sem dúvida, como um dos fatores que possibilitaram o seu surgimento os registros dos mitos e das lendas, em linguagem escrita, por poetas como Homero, com a Ilíada e a Odisseia (séc. IX a.C.), e Hesíodo (séc. VIII a.C.), com a Teogonia. A leitura e a conseqüente reflexão sobre todos aqueles mitos e lendas, o confronto entre o pensamento mítico e os acontecimentos do dia-a-dia, levaram os gregos a, de forma progressiva, considerá-los insatisfatórios para explicar a realidade, possibilitando, assim, o surgimento do pensamento filosófico-científico.
A intensidade de emoção que um texto pode nos provocar pode ser muito diferente de acordo com as experiências pelas quais passamos ao longo do tempo: hoje um texto pode nos causar sentimentos diametralmente opostos aos que nos causou há alguns anos atrás ou aos que nos causará no futuro. Os Livros Sagrados das diferentes religiões (a Bíblia, o Alcorão, o Bhaghavad Gitá etc.), por exemplo, têm provocado sentimentos e interpretações várias na sucessão dos séculos.
A linguagem escrita permite que um autor possa continuar influenciando os pensamentos dos que o lerem muitos anos, muitos séculos, até milênios após o seu desaparecimento. É assim que pensadores como Platão, Aristóteles, só para citar dois expressivos nomes, dentre tantos outros, continuam a influenciar-nos, a levar-nos a profundas reflexões. Eles, através da palavra escrita, ganharam uma nova forma de vida, alcançaram uma espécie de imortalidade.
Através da escrita o homem eterniza-se, tem a possibilidade de desenvolver e evoluir a sua cultura e pode se tornar - se aprender com as lições do passado - senhor de sua própria história.

SILVA, Lucília Lopes.
http://recantodasletras.uol.com.br/autores/luciliasilva

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010